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A viabilidade da reclamação de segredo comercial mesmo após divulgação em pedido de patente

13/11/24
Mão humana clicando em um cadeado virtual aberto em meio a outros trancados.

No âmbito da propriedade intelectual, é bem estabelecido que a publicação de um pedido de patente torna o conteúdo da invenção publicamente acessível, invalidando, assim, o direito à proteção de segredo comercial sobre a mesma matéria. Ao contrário da patente, que tem um prazo de proteção definido, o segredo comercial pode durar indefinidamente, desde que o sigilo seja mantido. A proteção dessas informações por meio do segredo comercial permite que as empresas mantenham uma vantagem no mercado por longos períodos. Um exemplo icônico é a fórmula exata da Coca-Cola, mantida em sigilo desde que a bebida foi criada em 1886, sendo conhecida apenas por um número limitado de executivos dentro da empresa. Outro exemplo é a receita secreta de 11 ervas e especiarias usada no frango frito da KFC, que é mantida em um cofre e conhecida apenas por um punhado de funcionários.

No caso da patente, como bem explicado pelo Tribunal de Apelações do Circuito Federal dos Estados Unidos (United States Court of Appeals): "Um segredo comercial é secreto. Uma patente não é. Aquilo que é divulgado em uma patente não pode ser um segredo comercial." 1 No entanto, mesmo com essa regra consolidada, a publicação de um segredo comercial em uma patente ou pedido de patente não invalida automaticamente uma reivindicação de apropriação indevida de segredo comercial. Fatores como o momento da publicação em relação à apropriação indevida alegada e a natureza da divulgação são cruciais.

Por exemplo, um infrator não pode se proteger ao patentear ilegalmente um segredo comercial de outrem e, em seguida, alegar que a informação não mais se qualifica como segredo comercial devido à divulgação pública. Esse entendimento foi claramente delineado pelo 7º Tribunal de Apelações dos EUA em Syntex Ophthalmics, Inc. v. Tsuetaki, onde se decidiu que o infrator não pode lucrar com sua própria má conduta.

Em um caso recente no Distrito Leste da Virgínia, Smith v. Atlas N. Am., LLC, o tribunal enfrentou essa questão de forma direta. A autora, Melinda Smith, acusou a Atlas North America e a Thyssenkrupp Materials North America de apropriação indevida de segredo comercial ao patentear sua invenção sem a inclusão do seu nome. Embora a Atlas tenha argumentado que a patenteabilidade da invenção eliminava qualquer direito de segredo comercial, o tribunal negou essa defesa, destacando que a apropriação indevida ocorreu antes da eventual divulgação pública. Essa decisão sublinha que, mesmo quando um segredo comercial é eventualmente tornado público, o ato de apropriação indevida anterior pode ainda ser contestado legalmente.

No contexto brasileiro, a Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996) oferece proteções similares. O artigo 195 tipifica como crime a apropriação indevida de segredos comerciais, enquanto o artigo 206 resguarda a confidencialidade de informações obtidas em negociações. Assim, mesmo no Brasil, a divulgação de segredos comerciais sem autorização, seja por meio de pedidos de patente ou de outras formas, pode ser caracterizada como apropriação indevida, sujeitando o infrator às penalidades previstas na legislação.

Na Alemanha, os segredos comerciais são protegidos pela Lei de Segredos Comerciais (Geschäftsgeheimnisgesetz – GeschGehG), uma lei que entrou em vigor em 2019 e transpôs a Diretiva de Segredos Comerciais da União Europeia (Diretiva (UE) 2016/934).

Segundo o § 4 (1) da Lei de Segredos Comerciais, a utilização ou divulgação de um segredo comercial é considerada ilegal, entre outros casos, quando realizada sem o consentimento do titular do segredo comercial por uma pessoa que tenha adquirido o segredo comercial de forma ilegal ou que viole um acordo de confidencialidade ou qualquer outro dever de não divulgar o segredo comercial. De acordo com o § 2 nº 1 a) da Lei de Segredos Comerciais, a condição para a proteção de informações como segredos comerciais é que as informações sejam secretas, no sentido de que "[...] não sejam geralmente conhecidas pelas pessoas dos círculos que normalmente lidam com o tipo de informações em questão [...]".

Nota-se, então, que, segundo a Lei de Segredos Comerciais, uma informação “geralmente conhecida” não pode ser considerada um segredo comercial. Sendo assim, informações contidas em pedidos de patentes publicadas não são mais aptas a serem protegidas como segredos comerciais, pois são consideradas de “conhecimento geral” 2. Portanto, se o titular de uma informação sigilosa inclui esta informação em um pedido de patente, a mesma perde a proteção de um segredo comercial. O titular de um segredo comercial deve escolher entre manter a informação em segredo e reivindicar a proteção da Lei de Segredos Comerciais ou preferir a proteção garantida por uma patente. Ambos os sistemas de proteção têm suas vantagens do ponto de vista econômico e estratégico.

Já no caso da divulgação não autorizada de um segredo comercial em um pedido de patente, a análise torna-se mais complexa. Parte da doutrina jurídica alemã argumenta que uma informação que foi divulgada ilegalmente não é considerada de "conhecimento geral" 3. No entanto, existem opiniões contrárias que sustentam que a divulgação ilegal também leva ao “conhecimento geral” da informação, fazendo com que a proteção do segredo se perca 4. A questão, portanto, ainda não está definitivamente esclarecida.

Porém, o próprio infrator que inclui uma informação sigilosa em um pedido de patente sem autorização do titular não pode se defender com o argumento de que a informação assim divulgada por ele mesmo deixou de ser secreta e, portanto, não seria mais apta a ser protegida pela Lei de Segredos Comerciais. Afinal, a violação ocorreu em um momento em que a informação ainda era protegida como segredo comercial. Além disso, seria contrário ao objetivo e propósito da Lei de Segredos Comerciais permitir que o infrator se defendesse com base em sua própria ação de violação.

Essa análise reforça a importância de uma compreensão profunda das proteções legais disponíveis para segredos comerciais e das circunstâncias que envolvem a transição entre manter uma invenção como segredo comercial ou buscar sua proteção através do patenteamento. Independentemente do contexto jurídico, as empresas devem ser diligentes na proteção de suas informações valiosas e buscar aconselhamento jurídico para navegar essas complexidades.


Notas

1 Atl. Research Mktg. Systems, Inc. v. Troy, 659 F.3d 1345, 1357 (Fed. Cir. 2011).

2 Tribunal Federal de Justiça alemão (Bundesgerichtshof – BGH), decisão de 08.07.1975 - X ZR 74/72, GRUR 1976, 140 - Polyurethan; BGH, decisão de 10.10.1974 - KZR 1/74, GRUR 1975, 206 - Kunststoffschaum-Bahnen; Harte-Bavendamm/Ohly/Kalbfus, Geschäftsgeheimnisgesetz, 2ª edição de 2024, § 2 n.º 24

3 Harte-Bavendamm/Ohly/Kalbfus, Geschäftsgeheimnisgesetz, 2ª edição de 2024, § 2 n.º 29; Köhler/Bornkamm/Feddersen/Alexander, Geschäftsgeheimnisgesetz, 42ª edição de 2024, § 2 n.º 35a

4 McGuire, Neue Anforderungen an Geheimhaltungsvereinbarungen?, WRP 2019, 679

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Créditos da Imagem: Freepik

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