O que é DIP Financing?
O DIP Financing, do inglês Debtor-in-Possession Financing, é uma modalidade de crédito e de manutenção das operações de empresas que se dá pelo financiamento para sociedades que estejam em recuperação judicial. Através do suprimento do fluxo de caixa, o DIP Financing busca oferecer os recursos necessários para saldar as obrigações correntes e garantir que as empresas continuem operando.
O financiamento é feito mediante autorização judicial e assegura prioridade de pagamento ao credor que tenha optado por realizar este investimento, o que minimiza o risco e torna a operação atrativa. Em meio a um ambiente econômico adverso, o DIP Financing ressalta, também, a necessidade do surgimento de novas soluções financeiras a fim de sustentar a viabilidade empresarial.
A Origem do DIP Financing nos Estados Unidos e no Brasil
A inspiração e origem para o DIP Financing derivam das práticas adotadas em mercados como o Estados Unidos e Reino Unido. Nos Estados Unidos, o mecanismo é regulamentado pelo Chapter 11 do Bankrupcy Code, referente ao Capítulo 11 do Título 11 do Código de Leis dos Estados Unidos da América, que permite que empresas insolventes operem com proteção judicial durante o período de reestruturação. Esse modelo foi projetado a fim de ajudar empresas a se reorganizarem diante de cenários de crise, fazendo com que estas retornem à lucratividade, enquanto permanecem protegidas contra ações de credores.
No Brasil, o conceito já vinha sendo utilizado, mesmo antes do estabelecimento da Lei 14.112, de 24 de dezembro de 2020, uma vez que o artigo 67 da Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (LREF) já previa a possibilidade e condições para empresas contraírem créditos durante o processo de recuperação judicial. Ainda assim, as previsões não eram suficientes e não conferiam segurança jurídica aos investidores que concediam as linhas de crédito.
O financiamento DIP ganhou força com a Lei 14.112/2020, que modernizou a legislação de insolvência no país através dos artigos 69-A a 69-F, dedicados a tratar especificamente do financiamento do devedor e do grupo devedor durante a recuperação judicial. Em um cenário pós-pandemia, com desafios econômicos crescentes, o DIP se tornou uma alternativa viável para sociedades que buscavam capital novo, o chamado fresh money.
A reforma i) flexibilizou a vedação do artigo 66 da LREF, permitindo a contratação de financiamento com garantias, possibilitando que o devedor em recuperação judicial solicite autorização para celebrar contratos de financiamento garantidos por oneração ou alienação fiduciária de bens do ativo não circulante1; ii) estimulou a liberação imediata de recursos, protegendo os financiadores ao impedir que decisões judicias em grau de recurso alterem a natureza extraconcursal dos créditos concedidos ou que anulem as garantias previamente constituídas2; iii) alterou a ordem de classificação dos credores extraconcursais na falência, garantindo prioridade ao financiamento DIP3; iv) estabeleceu a rescisão automática em caso de falência, oferecendo maior previsibilidade quanto ao risco de crédito4; e v) ampliou as possibilidade de financiamento e o potencial de captação de recursos, ao permitir que qualquer pessoa, incluindo acionistas, familiares, credores ou integrantes do grupo econômico do devedor, atue como financiador DIP5.
Sendo assim, em um cenário de fusões e aquisições, o DIP Financing pode agregar valor às operações, proporcionando aos investidores segurança e previsibilidade quanto ao retorno de capital através de estratégias integrativas.
Benefícios do DIP Financing nas operações de Corporate e M&A
As operações de M&A envolvem estratégias empresariais complexas que demandam uma análise diligente de mercado e ativos, bem como uma adequada estruturação financeira para tornar viáveis tais operações – o que pode configurar um grande desafio para empresas em recuperação judicial que estejam interessadas em liquidar parte de seus ativos.
Nesse contexto, o DIP Financing pode surgir como importante estratégia de financiamento para garantir o sucesso das operações de M&A, suprindo a falta de fluxo de caixa e oportunizando a concretização de reestruturações contábeis, financeiras e societárias de empresas em recuperação judicial. Na modalidade de DIP loan to own, existe a possibilidade de conjugar o financiamento obtido com a mudança do controle acionário da empresa, pois o financiador recebe o direito de converter o empréstimo em capital da empresa com desconto. Isso dá ao credor a capacidade de obter participação na empresa e direcionamento de sua reestruturação.
Exemplos recentes de concessão de crédito via DIP Financing são (i) o da Latam Airlines, em que a companhia obteve um financiamento no valor de US$ 3,7 bilhões; (ii) o da Oi, no qual a empresa conseguiu levantar um montante de R$ 2,5 bilhões; e, por fim, (iii) o do Grupo Americanas, que levantou aproximadamente R$ 2 bilhões de reais. Em relação ao Grupo Americanas, além do financiamento obtido, a empresa tem conflagrado diversas operações de reorganização societária e M&A, conjugando as estratégias de recuperação financeira.
Conclusão
Nota-se, portanto, que o financiamento DIP, além de uma boa opção para empresas que estejam passando por reestruturação e precisam do suprimento do fluxo de caixa, também pode ser utilizado como opção de financiamento para alavancar estratégias de reorganização financeira e societária, podendo, inclusive, ser conjugado com mudanças no controle acionário das empresas tomadoras.
Nesse sentido, a reforma da Lei 14.112/2020 trouxe inovações legislativas importantes para essa categoria de financiamento no Brasil, possibilitando uma utilização flexível e acessível para que empresas em recuperação judicial possam “pensar fora da caixa” e inserir o DIP como importante aliado em sua reorganização societária.
Notas
1 “Art. 69-A. Durante a recuperação judicial, nos termos dos arts. 66 e 67 desta Lei, o juiz poderá, depois de ouvido o Comitê de Credores, autorizar a celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante, para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos.”
2 “Art. 69-B. A modificação em grau de recurso da decisão autorizativa da contratação do financiamento não pode alterar sua natureza extraconcursal, nos termos do art. 84 desta Lei, nem as garantias outorgadas pelo devedor em favor do financiador de boa-fé, caso o desembolso dos recursos já tenha sido efetivado.”
3 “Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, aqueles relativos: (...) I-B - ao valor efetivamente entregue ao devedor em recuperação judicial pelo financiador, em conformidade com o disposto na Seção IV-A do Capítulo III desta Lei.”
4 “Art. 69-D. Caso a recuperação judicial seja convolada em falência antes da liberação integral dos valores de que trata esta Seção, o contrato de financiamento será considerado automaticamente rescindido.”
5 “Art. 69-E. O financiamento de que trata esta Seção poderá ser realizado por qualquer pessoa, inclusive credores, sujeitos ou não à recuperação judicial, familiares, sócios e integrantes do grupo do devedor.”
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