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Legal Design ≠ Design Thinking: A Confusão que Atrapalha a Inovação no Jurídico

18/2/25
Três mulheres analisando post-its em uma parede de vidro

Introdução

Nos últimos anos, o conceito de Design Thinking tem sido amplamente adotado no mundo corporativo como um dos principais frameworks para resolução de problemas de forma criativa e colaborativa. No universo jurídico, ele tem sido apresentado como solução para tornar documentos mais acessíveis, melhorar a experiência do usuário e modernizar fluxos de trabalho.

Mas há um problema grave nessa abordagem: Design Thinking não é a metodologia universal para todos os desafios jurídicos, e tratá-lo como sinônimo de Legal Design pode gerar projetos superficiais e pouco eficazes.

Neste artigo, vamos explorar o que realmente diferencia essas abordagens, quais são os principais erros ao aplicar Design Thinking no Legal Design e quais outras abordagens podem ser mais eficazes, analisando por que elas podem funcionar melhor em determinados contextos jurídicos.

O que é Design Thinking

O Design Thinking é um framework voltado para a resolução de problemas de forma estruturada e colaborativa. Seu objetivo é facilitar a criação de soluções inovadoras ao colocar o usuário no centro do processo e utilizar experimentação para refinamento. Ele segue um modelo tradicional com etapas como empatia, definição do problema, ideação, prototipagem e testes.

No entanto, esse framework foi desenvolvido para lidar com desafios sem um caminho claro para a solução – o que não é ocaso da maioria dos problemas jurídicos, onde as restrições e parâmetros já estão bem definidos.

Por que Design Thinking pode ser um problema no Direito?

1. Problemas jurídicos são sistêmicos

Problemas jurídicos raramente podem ser resolvidos de forma isolada, pois estão inseridos em sistemas maiores que envolvem processos regulatórios, culturais e operacionais interconectados. Isso significa que mudanças em um único ponto podem gerar impactos inesperados em outras partes do sistema. Além disso, a falta de dados estruturados e confiáveis sobre o comportamento de usuários, tomadores de decisão e operadores do direito dificulta a formulação de soluções eficazes. Estudos indicam que abaixa compreensão dos textos jurídicos e a resistência a mudanças organizacionais são barreiras significativas para a inovação no setor.

2. A superficialidade do Design Thinking

O Design Thinking muitas vezes simplifica problemas complexos. Donald Norman, um dos maiores especialistas em design, critica essa abordagem por ser "genérica demais para resolver desafios que exigem uma análise mais profunda e sistêmica". Como ele argumenta em seus artigos1, a abordagem tende a ser mais um "checklist de criatividade" do que um verdadeiro processo de inovação bem fundamentado.

3. Não basta mudar um documento sem integrar o sistema onde ele está inserido

O erro de muitas iniciativas de Legal Design é tratar o documento final como o único ponto de transformação, sem considerar como ele se encaixa no sistema maior. Qualquer mudança em um contrato, regulamento ou política precisa estar alinhada com os fluxos operacionais, as práticas internas e os atores envolvidos na sua aplicação. Um contrato pode ser visualmente mais intuitivo, mas se os processos que o acompanham forem desorganizados ou ineficientes, sua utilidade será mínima. É essencial integrar melhorias documentais a uma revisão sistêmica para garantir que a inovação seja realmente funcional e sustentável.

O que pode funcionar melhor no Legal Design?

Se o Design Thinking não é a solução universal para o direito, quais abordagens podem ser mais eficazes?

1. Design de Serviço (Service Design) - Foca na jornada do usuário e no funcionamento completo de um serviço, considerando processos, interações e sistemas. Essa abordagem pode ser mais útil quando a necessidade envolve uma visão integrada de diferentes etapas do fluxo jurídico.

2. Design Centrado no Usuário (UCD - Coloca o usuário no centro do processo, mas sem desconsiderar aspectos técnicos e regulatórios. Isso pode ser mais apropriado em projetos que exigem maior adaptação à experiência real dos usuários finais.

3. Pensamento Sistêmico - Considera que todo documento ou solução está inserido em um ecossistema maior, onde cada mudança pode gerar impactos positivos ou negativos. Essa abordagem pode ser mais eficiente quando a preocupação principal é evitar que mudanças pontuais gerem efeitos colaterais indesejados.

Conclusão

Design Thinking pode ser uma ferramenta útil em alguns momentos, mas tratá-lo como sinônimo de Legal Design é um erro. Projetos jurídicos exigem abordagens que vão além da criatividade pontual e considerem a estrutura dos sistemas onde serão aplicados.

Se você quer realmente melhorar a experiência jurídica, foque em processos, jornadas e sistemas, e não apenas em redesigns pontuais. Porque no fim das contas, mudar um contrato sem mudar o processo é como redesenhar um manual de instruções para uma máquina que ninguém consegue operar.

Notas:

1 Norman, 2010 – https://jnd.org/design-thinking-a-useful-myth/ e Norman, 2013 – https://jnd.org/rethinking-design-thinking/

Autor: Fellipe Branco

Créditos da Imagem: Freepik

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