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PMI e Inovação na Nova Lei de Licitações

26/2/25
pessoa segurando uma página de contrato

A nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/21) criou diversas oportunidades para empresas com soluções inovadoras atuarem junto à Administração Pública. Entre elas, o Procedimento de Manifestação de Interesse se destaca por permitir que o mercado sugira soluções a problemas enfrentados pelo Poder Público. É quase como um “pitch”: a Administração relata um problema, e os empresários podem apresentar possíveis soluções.

Esse procedimento foi estabelecido no artigo 81 da lei. Em âmbito federal, ele já existia, mas apenas para concessões de serviços públicos e PPPs. Seu regulamento se dava somente pelo Decreto nº 8.428/2015, que não lhe garantia estatura legal. A Lei 14.133/21 fez previsões novas, mais voltadas à inovação e, além disso, permitiu que o instituto seja utilizado em todos os tipos de contratação e todas as esferas da federação.

De acordo com esse artigo, “a Administração poderá solicitar à iniciativa privada, mediante procedimento aberto de manifestação de interesse a ser iniciado com a publicação de edital de chamamento público, a propositura e a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública, na forma de regulamento.”

Ou seja, quando a Administração tem um problema, mas não sabe como resolver, pode convocar as empresas para que apresentem soluções inovadoras formuladas por si. Se uma delas agradar ao ente público, poderá ser objeto de futura licitação.

A empresa que apresentou o projeto selecionado não recebe uma vantagem propriamente dita nessa concorrência futura. Porém, caso não vença, a ganhadora deverá remunerá-la pelo projeto. Como bem observado por Joel de Menezes Niebuhr, isso faz com que acabe tendo duas vantagens práticas: tem o know-how para desenvolver o próprio projeto e, ainda, não precisa incluir a remuneração a si mesma em seus custos1.

Especialmente interessante é a previsão do §4º, no sentido de que a Administração pode restringir a participação a startups, definidas como “os microempreendedores individuais, as microempresas e as empresas de pequeno porte, de natureza emergente e com grande potencial, que se dediquem à pesquisa, ao desenvolvimento e à implementação de novos produtos ou serviços baseados em soluções tecnológicas inovadoras que possam causar alto impacto”.

Veja-se que a definição é diferente da prevista pelo Marco Legal das Startups (Lei Complementar nº 182/21), que as estabelece como “organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados.”

A melhor interpretação dessa divergência é que a Administração pode restringir a competição a startups com a definição da Lei 14.133/21. Contudo, nada impede que use aquela da Lei Complementar 182/21. O que o §4º prevê é uma possibilidade, e não uma obrigação. Se julgar necessário, o Poder Público pode criar restrições diversas, desde que isso seja justificado e motivado por razões aceitáveis2.

Assim, o PMI pode ser uma ferramenta importante para tornar o Poder Público mais permeável à inovação e, por outro lado, fomentar práticas inovadoras na própria iniciativa privada. Com frequência, a Administração não possui capacidade técnica para delinear o modelo de contratos inovadores, muito menos para desenvolver por si própria soluções novas a serem licitadas. O PMI possibilita que essas soluções sejam propostas pelo mercado e analisadas com bem mais facilidade pela burocracia estatal. A pesquisa pode até mesmo subsidiar uma contratação por dispensa de licitação, como prevê o artigo 20 da Lei da Inovação (Lei nº 10.973/04)3.

E como o PMI pode fomentar a inovação na iniciativa privada? Já superamos a noção de que ideias inovadoras surgem do nada, em um momento pontual de serendipidade. Elas se desenvolvem por um processo, que conta com a participação de diversos agentes – um dos quais pode ser o governo. Muitas práticas de inovação surgem da interação entre o tripé empresas-sociedade-governo. O PMI fornece uma instância de diálogo entre esses três sujeitos, e permite que ideias sejam desenvolvidas, apresentadas e debatidas de maneira qualificada.

Nesse contexto, o procedimento pode servir a qualquer das três fases do ciclo da inovação, o desenvolvimento, a introdução e a difusão. A ideia pode ser criada a partir da necessidade da Administração Pública, sem que houvesse solução pronta no mercado. Outra possibilidade é que um projeto já criado possa ser inicialmente introduzido a partir de uma demanda desse tipo, ou então que um produto já em circulação mas pouco difundido venha a se popularizar pela sua eventual adoção pelo Poder Público.

O PMI também pode fornecer à Administração um meio para concretizar “políticas públicas orientadas por missões (mission oriented policies)”, isto é, políticas que permitam um desenvolvimento econômico inovador, sustentável e inclusivo4. Nesse cenário, o governo pode utilizar o PMI para direcionar, fomentar e desenvolver junto à iniciativa privada e à sociedade novas soluções para os problemas mais complexos da atualidade, como nas esferas do meio-ambiente, desigualdade, saúde e educação.

O Procedimento de Manifestação de Interesse, como adotado pela Nova Lei de Licitações, oferece-nos uma ferramenta com potencial valioso para incentivar e catalisar a inovação. É uma oportunidade para todas as empresas que desenvolvem esse tipo de projeto em suas atividades. A participação em PMIs permite que ideias novas sejam desenvolvidas, apresentadas à Administração Pública e, possivelmente, contratadas via futura licitação. As portas do Estado vêm se abrindo aos inovadores.

A equipe de Direito Público do Andrade Setti e Lima ≡ Feigelson possui ampla experiência com a assessoria em licitações, relações com a Administração Pública e direito das inovações. Para saber mais, entre em contato com nossos escritórios.

Notas:

1 NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. Ed. 5. Belo Horizonte: Fórum Conhecimento, 2022, p. 532.

2 Nesse sentido: MOURÃO, Carolina Mota; MONTEIRO, Vera. Procedimento de Manifestação de Interesse como Instrumento de Fomento à Inovação: o artigo 81 da lei no 14.133, de 2021. In: RAUEN, André Tortato (org.). Compras Públicas Para Inovação No Brasil: novas possibilidades legais. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2022, p. 219.

3 MOURÃO, Carolina Mota; MONTEIRO, Vera. Procedimento de Manifestação de Interesse como Instrumento de Fomento à Inovação: o artigo 81 da lei no 14.133, de 2021. In: RAUEN, André Tortato (org.). Compras Públicas Para Inovação No Brasil: novas possibilidades legais. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2022, p. 223).

4 O tema é desenvolvido em: MAZZUCATO, Mariana. Mission Oriented Policy: challenges and opportunities. RSA Action and Research Centre. Londres: UCL Institute for Innovation and Public Purpose, 2017.

Autor: 

Matheus Setti

Créditos da Imagem: Freepik

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