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Perspectivas e desafios na regulamentação de psicoativos no Brasil

8/2/24
comprimidos e medicamentos diversos espalhados.

O consumo de substâncias psicoativas é um fenômeno complexo que influencia diversas esferas da sociedade. Ao longo do século XX, diferentes abordagens, como a medicalização, criminalização e moralização, moldaram o debate sobre drogas, culminando no proibicionismo internacional a partir de 1961.

Na contemporaneidade, após quase 60 (sessenta) anos, a ONU reconhece oficialmente o seu potencial terapêutico e a necessidade de que os países signatários criem mecanismos de acesso à cannabis como terapia, em paralelo à proibição do seu uso recreativo. Com efeito, a transformação da cannabis, que inicialmente vista como uma das drogas mais perigosas, para uma commodity lucrativa e legal em diversos países, é notável. Isso se deve ao avanço do conhecimento científico e médico sobre a planta, ao fortalecimento dos movimentos pela sua acessibilidade medicinal, à expansão global de seu consumo e aos interesses econômicos identificados na indústria.

Alinhado às diretrizes internacionais o Brasil, promulgou a Lei nº 11.343/2006 (“Lei de Drogas”), que incluí a possibilidade de cultivo da cannabis, para fins medicinais e de pesquisa. No entanto, a ausência de regulamentação impede a sua plena implementação, levando pacientes e associações a buscar no judiciário autorizações para seu uso terapêutico.

O Ministério Público Federal expressou apoio a essa causa na ação civil pública nº 5000610-23.2021.4.03.6111 movida pela Associação Canábica em Defesa da Vida (Maleli) contra a União, ratificando o entendimento da Resolução 2.234/22 do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre o uso de canabidiol (CBD) em crianças e adolescentes com epilepsias refratárias aos tratamentos convencionais. Paralelamente, a ANVISA tem emitido resoluções para autorizar a importação e regulamentar a produção de medicamentos à base de cannabis, porém, devido aos altos custos associados à importação, muitos indivíduos ainda precisam recorrer ao judiciário para garantir acesso ao tratamento, optando pelo cultivo doméstico da planta como uma alternativa viável.

Alguns Estados já apresentaram regulamentações especificas para o fornecimento gratuito de medicamentos à base de canabidiol, como o Estado do Rio de Janeiro que promulgou a Lei Estadual nº 10.201/23, que dispõe sobre o fornecimento gratuito de medicamentos à base de canabidiol aos pacientes que comprovam hipossuficiência e o Paraná, que promulgou a Lei Estadual nº 21.364/23, com contexto sobre o acesso à medicamentos e produtos à base de canabidiol e tetrahidrocanabinol para tratamento de doenças, síndromes e transtorno de saúde.

Enquanto isso, a discussão sobre a constitucionalidade do artigo. 28 da Lei nº 11.343/06 tramita desde 2015 no STF por meio do Recurso extraordinário RE 635.659. No julgamento, cinco dos onze Ministros votaram pela inconstitucionalidade da atual Lei de Drogas, o que evidencia que a solução não está no campo do Direito Penal, mas sim na reorganização das políticas de educação, saúde e segurança pública.

Importante pontuar que o artigo 1º da Lei de Drogas define uma diferenciação entre os termos “drogas” e “entorpecente” que merece ser pontuada. Considera-se droga, substância que causa dependência, especificada em lei ou relacionada em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União, notadamente a Portaria SVS/MS nº 344 - pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), atualizada pelas Resoluções da Diretoria Colegiada (RDCs), onde constam definições e indicações sobre quais são as substâncias controladas ou proibidas no território brasileiro. Enquanto a lei define o que é droga de forma ampla e a aplicação das penalidades, a Portaria referenciada delimita quais são as substâncias de uso lícito, controlado ou proibido. Essas listas são organizadas de acordo com o tipo de medicamento definido pelas Convenções da ONU, considerando o potencial efeito nocivo e grau de controle.

Na Política pública atual, o combate ao uso indiscriminado dessas substâncias é motivo de preocupação constante. O SUS – Sistema Único de Saúde fornece atendimento a pessoas com transtornos mentais por uso de álcool e drogas e essa busca por atendimento vem crescendo a cada ano. O SUS também conta com os CAPS - Centro de Atenção Psicossocial. Um estudo realizado sobre a população afetada mostrou que a maioria são jovens entre 25 e 29 anos do sexo masculino e que o uso abusivo do álcool é o mais recorrente, seguido de transtornos mentais e comportamentais por uso de cocaína e fumo. Com números menores, porém significativos, o uso dos Opiáceos, canabióides, sedativos e hipnóticos, alucinógenos, solventes voláteis e estimulantes (cafeína).

No cenário mundial, no ano de 2023, o UNODC - United Nations Office on Drugs and Crime Web Site aponta o crescimento do mercado de drogas ilícitas injetáveis e sintéticas de baixo custo e de resultados letais, as quais modificaram de forma exponencial o “mercado de drogas”, e, consequentemente o agravamento da crise global neste sentido. No último relatório concluiu-se que foram avaliadas como o tráfico de drogas, crimes contra o meio ambiente na bacia amazônica; testes clínicos envolvendo psicoativos e o uso medicinal de cannabis, por exemplo. Nesse sentido entra a questão do Direito à saúde e a necessidade de ações governamentais de prevenção e tratamento da população afetada, com fins de coibir uma eventual crise humanitária.

Com efeito, o artigo 6 da CFRB/88, assegura a todos o direito à saúde, assim, é responsabilidade do Estado promover políticas sociais e econômicas que reduzam os riscos à saúde e garantam o acesso universal aos tratamentos disponíveis. Em outras palavras, caso uma substância demonstre eficácia no tratamento de doenças, o Estado deve garantir o acesso da população a esse tratamento, de acordo com os avanços da ciência farmacêutica. Além disso, a Constituição valoriza a livre iniciativa econômica, portanto, qualquer modelo regulatório que restrinja essa liberdade pode violar o preceito constitucional.

Desta forma, a falta de regulamentação do uso medicinal e científico da Cannabis no Brasil representa uma omissão institucional que prejudica o acesso à saúde, o desenvolvimento científico e tecnológico, além de minar a livre iniciativa e a competitividade do país. Sob o paradigma Constitucional, é crucial valorizar as iniciativas de pesquisa e mercado relacionadas à cannabis, que podem impulsionar o desenvolvimento econômico e satisfazer as demandas dos pacientes e do mercado.

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